Filmes em debate
Como água para chocolate
Ritual simbólico à mesa
Tita (Lumi Cavazos) nasceu na cozinha do rancho de sua família, quando sua mãe (Regina Torné) estava cortando cebolas. Logo em seguida seu pai morre de um ataque cardíaco fulminante, por ter sua paternidade questionada. Com isso Tita é vítima de uma tradição local, que diz que a filha mais nova não pode se casar para que cuide da mãe até sua morte. Ao crescer Tita se apaixona por Pedro Muzquiz (Marco Leonardi), que deseja se casar com ela. Sua mãe veta o matrimônio, devido à tradição, e sugere que ele se case com Rosaura (Yareli Arizmendi), a irmã dois anos mais velha de Tita. Pedro aceita, pois apenas assim poderá estar perto de Tita.
Como água para chocolate: Ritual simbólico à mesa
A mesa como metáfora da vida
Vida e morte abrem o filme, que desde seu início traz as marcas dos extremos do mundano e do fantástico que acolhem os sonhos e desejos mais íntimos. Cebolas, lágrimas e sal em tamanha profusão, desde já nos dizem dos mais subterrâneos segredos e dos sentimentos contidos que, ao virem à tona, podem conduzir aos limites delirantes da existência humana.
A obra remete a sensações distintas, transcendendo o trivial e transportando-nos em uma viagem gastronômica pela cultura mexicana. O próprio título já abre um leque de possibilidades de interpretações, desafiando a imaginação gustativa, pois não é convencional na cultura brasileira a mistura de água e chocolate, assim como não o são as receitas apresentadas. Nas práticas alimentares do cotidiano, água é sinônimo de rotina, do que é essencial à vida; quando, porém, vem somada a outros alimentos em diferentes processos de cocção, traz a metamorfose do cru para o cozido, referenciando Lévi-Strauss. Nesta leitura, a água é traduzida da Natureza à Cultura, tornando-se comida e Humanidade no alimento simbolizado.
Falando a respeito (vídeos):
"O cheiro da compota de damasco, recheio do bolo de casamento, trouxe à Tita memórias da situação vivida com Pedro em que, por uma distração, ele acabou vendo suas pernas."
Sugestões de leitura
Os sabores da América: Cuba, Jamaica, Martinica, México | Rosa Belluzzo
BELLUZZO, R. Os sabores da América: Cuba, Jamaica, Martinica, México. São Paulo: Editora Senac, 2004.
História da alimentação no Brasil | L. Cascudo
CASCUDO, L. C. História da alimentação no Brasil. São Paulo: Global, 2004.
A memória coletiva | Maurice Halbwachs
HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.
O cru e o cozido | Claude Lévi-Strauss
LÉVI-STRAUSS, C. O cru e o cozido. Mitológicas 1. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
A economia das trocas linguísticas: o que falar quer dizer | Pierre Bourdieu
BOURDIEU, P. A economia das trocas linguísticas: o que falar quer dizer. São Paulo: EDUSP, 1996.
Comida como cultura | Massimo Montanari
MONTANARI, M. Comida como cultura. São Paulo: Editora Senac, 2008.
A Invenção do cotidiano: 2 morar, cozinhar | Michel Certeau, Luce Giard, Pierre Mayol
CERTEAU, M.; GIARD, L.; MAYOL, P. A Invenção do cotidiano: 2 morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes, 2005.
Las fiestas de Frida y Diego: recuerdos y recetas | G. R. Marín, M.-P. C Corcuera
MARÍN, G. R.; CORCUERA, M.-P. C. Las fiestas de Frida y Diego: recuerdos y recetas. México: Promessa, 1994.